Sentidos e discursos do (ciber)jornalismo na rede social Instagram: uma análise de dois casos

Meanings and discourses of (cyber)journalism on Instagram: an analysis of two cases

doi.org/10.56418/txt.16.2022.003

Pedro Eduardo Ribeiro
orcid.org/0000-0001-7101-0570
[pedurib@gmail.com]
Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho (Portugal)

Recibido: 22-07-2022
Aceptado: 18-11-2022

Esta obra se publica bajo la siguiente licencia Creative Commons:
Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional (CC BY-NC-SA 4.0)
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Resumo

O (ciber)jornalismo começou, nos últimos anos, a apostar no Instagram para divulgar os seus conteúdos (e.g., Al-Rawi et al., 2021; Alberto, 2022; Sharma & Naresh, 2022; Vázquez-Herrero et al., 2019). Focando no panorama português, numa altura em que aumenta a aquisição de > smartphones (Rocha, 2022), mais pessoas consomem notícias via Instagram (Cardoso et al., 2021) e a utilização daquela rede também ascende (We Are Social, 2022), parece estratégica uma aposta do jornalismo nelas. Fazendo uma equiparação das publicações a chamadas de capa de jornais e revistas, selecionaram-se duas, para se perceber o seu potencial semiótico-discursivo, numa tentativa de responder à pergunta: que sentidos e discursos produz o (ciber)jornalismo na rede social Instagram com as suas publicações? Recorrendo à análise sociossemiótica e à Análise Crítica do Discurso, desvendaram-se alguns aspetos nas publicações selecionadas: dramatização, espetacularização, erroneidade e desumanização, fazendo emergir discursos de politização, deslegitimação, descrença e risco político e social.

Palavras-chave: sentidos, discursos, (ciber)jornalismo, Instagram, estratégia

Abstract

In the last years, the (cyber)journalism has begun to invest on Instagram to promote its contents (e.g., Al-Rawi et al., 2021; Alberto, 2022; Sharma & Naresh, 2022; Vázquez-Herrero et al., 2019). Looking into the Portuguese landscape, in times of an increasing acquisition of smartphones (Rocha, 2022), more people consuming news on Instagram (Cardoso et al., 2021), and the using of this specific social media also rises (We Are Social, 2022), it seems strategic an investment on them by the journalistic media. Comparing posts to newspapers and magazines’ cover headlines, two post were selected to understand its semiotic and discursive potential, and to answer the question: which meanings and discourses does (cyber)journalism produces on Instagram with its posts? Making use of the social-semiotic analysis and the Critical Discourse Analysis, some aspects were discovered through the selected posts: dramatization, spectacularisation, erroneity, and dehumanisation, arising discourses of politicization, de-legitimation, unbelief, and social and political risk.

Keywords: meanings, discourses, (cyber)journalism, Instagram, strategy

Sumario: 1. Introdução: práticas de comunicação e (ciber)jornalismo. 2. Redes sociais e estratégia: o (ciber)jornalismo e o Instagram. 3. Publicações do Instagram e chamadas de capa: uma equiparação possível? 4. Uma análise sociossemiótica e discursiva de dois casos. 4.1 CNN Portugal: “Números da mortalidade materna são “pequenos números””. 4.2 Público: “GOVERNO/António Costa demite Pedro Nuno Santos”. 5. Discussão e anotações finais. 6. Apoios. 7. Bibliografía.

1. Introdução: práticas de comunicação e (ciber)jornalismo

O uso de telemóveis e de smartphones começou a tornar-se mais comum nas últimas décadas, o que veio relevar novas práticas de comunicação e novas formas de produzir sentido e discurso, do ponto de vista do que é utilizado tecnologicamente para o fazer. Assumindo que se dá um conjunto de transformações nas práticas de comunicação, neste quadro, Coelho (2010) refere que os “processos de transformação” destas “não se fazem unicamente num só sentido, e devem ser entendidos num quadro maior de mudanças institucionais e profissionais” (p. 18). Prosseguindo com o raciocínio da autora, se o ecrã se tornou “num instrumento de comunicação e de informação, num intermediário quase inevitável” (p. 19) da relação das pessoas umas com as outras e com o mundo, fez isto também com que: se reforçasse o campo do design, dada a complexidade técnica do ecrã e do desenho dos seus conteúdos, e, consequentemente, emergisse uma “organização semiótica do ecrã” (p. 28), que agrega modos de produção de sentido múltiplos, com diferentes modos de representação e comunicação.

No seguimento do parágrafo anterior, basta pensar-se que, ao contrário de um jornal, até chegar-se a uma imagem a pessoa além de usar a sua visão, passa: não por um papel, mas por uma camada que é o ecrã e que contém mutações que ocorrem quer com a ação da pessoa utilizadora quer com a ação do próprio equipamento em uso, assim como permite o acesso a um espaço virtual ou a um conjunto de espaços que são virtuais. Isto seja no contexto dos videojogos, como enuncia a autora, seja noutros contextos dos equipamentos digitais. O “surgimento episódico do ecrã” deve ser visto “como zona de articulação que liga e dissimula simultaneamente, num contínuo que inclui um amplo espectro de possibilidades” (Coelho, 2010, p. 24). Nessa amplitude, pode-se falar no “ruído comunicacional”, que, segundo Fiske (1993), consiste na pressupõe uma confusão da intenção de quem emite a mensagem, tanto sobre esta pessoa como sobre a própria mensagem, independentemente das circunstâncias situacionais e temporais. Exemplos são pensamentos que mentalmente surgem a meio de uma conversa ou de um som externo. O ruído na comunicação pode ser visto como um algo que interfere na comunicação, ora favorável ora desfavoravelmente, no resultado das suas interações e na construção das mensagens nelas trocadas. Em relação ao mesmo conceito, numa visão voltada para a Semiótica Social, Martins (2017) conclui que aquele corresponde à “informação dos outros” (p. 175).

Neste panorama, tem-se vindo a tornar clara a ascensão do ciberjornalismo 1 e da adesão de jornais já existentes fisicamente aos espaços digitais (Gomes, 2021; Salaverría, 2019), bem como o acesso a conteúdos jornalísticos quer via móvel quer via redes sociais. No que toca à circulação de modo preciso, a digital e a digital paga de vários meios dos últimos anos em Portugal tem vindo a ganhar força (APCT, n.d.) 2 . Apesar de o ciberjornalismo não ser um conjunto de práticas propriamente novo, remetendo para o início dos anos 2000, para os primeiros anos do surgimento da Internet e em Portugal (Zamith, 2008), a verdade é que ganhou força com a potenciação da Internet, dos equipamentos digitais e dos smartphones. Provas que reforçam isto são: a aquisição crescente destes últimos a nível nacional (Rocha, 2022), a própria utilização destas plataformas tem vindo a aumentar (We Are Social, 2022) e o acesso prevalente a notícias via Facebook, Instagram e TikTok (Cardoso et al., 2021).

Com efeito, vê-se aqui potencial para o jornalismo 3 emergir, o que leva a questionar se não haverá necessidade de o jornalismo adaptar-se às plataformas digitais e ser estratégico 4 nelas. Um dos casos é o Instagram. De modo a desvendar a veia estratégica do jornalismo no Instagram, recorre-se à análise de dois casos, num estudo exploratório, que visa à exploração do detalhe. Consistem aqueles em duas publicações de Instagram de duas páginas de dois meios jornalísticos, visando: aprofundar a compreensão do seu potencial quer semiótico quer discursivo, compreender a adoção de estratégias como promotoras dos conteúdos jornalísticos e oferecer uma reflexão crítica sobre ao redor daqueles dois objetivos. Parte-se da pergunta seguinte: que sentidos e discursos produz o (ciber)jornalismo na rede social Instagram com as suas publicações?

2. Redes sociais e estratégia: o (ciber)jornalismo e o Instagram

Seguindo o entendimento de Chaparro (2000), a missão do jornalismo é informar e transformar, na medida em que impacta e procura a consciencialização e a mudança, pelo que os média têm discursiva e societalmente “um poder inegável” (van Dijk, 2017, p. 28). São eles responsáveis pela construção da realidade pelas notícias e pela informação das pessoas sobre assuntos os quais desconhecem (Tuchman, 1978). Ao mesmo tempo, são também responsáveis por construir o risco, pelo discurso que produzem e pelas conversas que se potenciam em torno daquele (Stallings, 1990). Feita esta nota, o que dizer da divulgação dos trabalhos jornalísticos?

Para se perceber a difusão daqueles trabalhos, basta pensar-se nas dinâmicas transmédia, ou seja, na capacidade que os conteúdos têm de se cruzar com várias plataformas. Estas “são espaços e não apenas um canal” (Andrade, 2020, p. 111) e fomentam repercussões várias (Veglis, 2012). Atente-se que os conteúdos cruzam, além do digital, o todo físico, o que ainda acentua mais a potencialidade ao nível das repercussões, sobretudo se se entender que a comunicação passa por ‘levar em consideração’ (Thayer, 1979) e se a mensagem a ela associada se trata, mais do que algo processual, de uma “construção de signos” (Fiske, 1993, p. 16), as pessoas reagem, comentam e partilham por vias que não necessariamente respostas diretas aos meios que consomem. Há aqui dois outros princípios a reter: qualquer pessoa utilizadora das redes sociais é movida por atitudes e comportamentos naquela utilização (Lima & Correia, 2013) e a comunicação está na base de comportamentos e vice-versa (Watzlawick et al., 1967). Naquela utilização, a qual está inerentemente ligada ao consumo de informação (Shah, 2017), quanto maiores forem as gratificações obtidas, tendencialmente maior é o tempo de consumo do que o meio tem para oferecer (McQuail, 2010). Não fica de fora disto o jornalismo, até porque cada vez mais ele procura corresponder à atividade das pessoas usuárias (Santos-Silva, 2022). Convém não olvidar a lógica de rede: a rede trata-se do emaranho de ligações que estes todos sistemáticos proporcionam (Vermelho et al., 2015), e que, no caso do digital, permitem uma maior atividade, com o consumo e, simultaneamente, a produção de informação, numa lógica de prosumerismo (Ritzer & Jungerson, 2010). As plataformas, como o Facebook, proporcionarem ferramentas de reação, comentário e partilha de conteúdos (Recuero, 2014), assim como acontece na rede social Instagram.

Coloca-se, por conseguinte, em perspetiva a necessidade de se segmentar a comunicação para determinados públicos-alvo, ora mais restritos ora mais amplos, para que se possam cumprir os objetivos da comunicação (Horsle, 2005), ainda que, no espaço digital, esta possa cruzar muitas mais pessoas e até desvirtuar-se mais facilmente dos objetivos pré-estabelecidos, considerando a sua abertura de canais e a velocidade na difusão da informação. Inclusive o Marketing não deixa de estar relacionado com o Jornalismo na conceção de estratégias e na criação de “envolvimento com a notícia” (Ferreira, 2022, p. 106). Segundo Díaz-Campos et al. (2021), que recorrem a autorias várias, as estratégias que, possivelmente, os meios digitais seguem no que toca à consulta de notícias por parte das pessoas usuárias nas redes sociais são três: “monitorização ou vigilância rotineira das redes e plataformas”, “exposição acidental às notícias” e “consumo direto” (p. 3).

Devendo ser do conhecimento ou de previsão contextos e ameaças, o planeamento da Comunicação Estratégica pode levar ao atingir de objetivos por parte de qualquer organização (Horsle, 2005). No entender de Oliveira et al. (2012), há a necessidade de recorrer a estratégias, para que as organizações saibam “operar com a lógica midiática” (p. 140). Aqui, acaba por se falar dos média nos média. Aquela lógica procura a ligação à sociedade, o trabalho para ela. Tudo isto sai enfatizado pela seguinte consideração de Silva et al. (2020): “As organizações são descritas como fenómenos socias constantemente (re)produzidos pelos atos de comunicação e de produção de sentido” (p. 110). Neste seguimento, as autoras referem que a Comunicação Estratégica tem estado associada a perspetivas mais do foro construtivista social, o que ajuda a enfatizar o que é discutido até aqui, bem como o posicionamento em relação ao procedimento de análise deste trabalho na Semiótica Social. Sendo que outro dos procedimentos de análise tem a ver com os Estudos Críticos do Discurso, não esquecem igualmente a importância dos discursos: “(...) é através das várias formas discursivas que os públicos moldam os significados e as interpretações organizacionais, legitimando os seus próprios interesses e, ao mesmo tempo, desenvolvendo mecanismos de fidelização” (p. 110).

Da parte das organizações de média, tem-se assistido a alguma adesão de vários às plataformas digitais e, em particular do jornalismo no Instagram (e.g., Al-Rawi et al., 2021; Alberto, 2022; Sharma & Naresh, 2022; Vázquez-Herrero et al., 2019). Os vários estudos apresentam conclusões reveladoras das dinâmicas do jornalismo no Instagram. O estudo de Al-Rawi et al. (2021) aponta para as preferências das audiências daquela rede social sobre notícias mais gerais, histórias de proximidade e notícias positivas. Focado em conteúdos jornalísticos e numa abordagem humorística, Alberto (2022) mostra que as vinhetas de humor foram importantes no tratamento de assuntos concertantes à pandemia do Coronavírus. Sharma e Naresh (2022) concluem que a BBC retrata uma imagem que é favorável aos países ligados à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão e os talibãs enquanto grupo promotor de atos de terrorismo, barbárie e desumanização. Ainda, o estudo de Vázquez-Herrero et al. (2019) desperta para a emergência da produção de notícias efémeras, com uma sofisticação crescente. Isto vem despertar a atenção para a conceção de certos tipos de trabalhos jornalísticos como aqueles que usam infografias, vídeo ou tecnologia 3D também merece ser realçada, na medida em que há conteúdos que começam a ser feitos exclusivamente para o espaço digital (Santos-Silva, 2022). Concretamente em relação à rede social Instagram, o seu potencial imagético não deve ser desmerecido e deve ser tido em conta no que toca à interação. Desde logo, pelos elementos pictóricos que o olhar capta, a visibilidade, mas também pela visualidade, tudo o que se constrói além do olhar (Campos, 2013). A rede social em causa dispõe de publicações que se focam em elementos visuais, seja fotos seja vídeos (Alberto, 2022), abarcando outros tipos de elementos, como os textos escritos.

3. Publicações do Instagram e chamadas de capa: uma equiparação possível?

Porquê falar em chamadas de capa aqui, trazendo da secção anterior as publicações estáticas da rede social Instagram? Desde logo, em que consistem? Segundo Cardoso (2009), por vezes, são associadas a “títulos”, de uma tradução do inglês “headlines”, mas, seguindo a designação de Cerqueira et al. (2019) ou de Cardoso (2009), entendem-se como “chamadas de capa”. Elas podem até ser imagens gráficas além de texto escrito. Depois, devem chamar à atenção: “(...) uma boa chamada de capa é aquela que ajuda o leitor a deduzir a máxima quantidade de efeitos contextuais com uma quantidade reduzida de esforço de processamento” (Dor, 2003, pp. 719-720). Depois disto, convém entender que muitas pessoas que leitoras “usam a maior parte do seu tempo de leitura para examinar as chamadas de capa mais do que para ler as histórias” (pp. 696-697). Neste seguimento, porquê falar também em capas?

As capas compõem-se sobretudo de: elementos gráficos, textos escritos e imagens gráficas, que remetem para um interior, destacando, entre outros alvos, paisagens, coisas, pessoas e acontecimentos externos às revistas ou aos meios em que se inserem e que têm a possibilidade de se tornarem acontecimentos. Elementos gráficos, pois fala-se aqui em imagens gráficas, que representam graficamente algo (Mitchell, 1984) e texto escrito (Santaella, 2007), portanto, são atos que comunicam (Pinto-Coelho, 2019). Remetem para um interior, isto é, são dotadas de intratextualidade, mas também para um exterior, são dotadas de intertextualidade, ou seja, mobilizam vários textos, isto é, atos comunicativos (Wodak, 2009). Representam algo, como qualquer todo imagético e multimodal, isto é, que combina vários modos de produzir sentido, signos e outros componentes do sentido (Kress & van Leeuwen, 2021). Por fim, a possibilidade de se tornarem acontecimentos, os chamados “pseudo-eventos”, isto é, eventos que os próprios média potenciam além do evento de base (Moraes, 2005).

Além dos já referidos, existem alguns aspetos ora mais explícitos ora mais implícitos acerca das capas. Mais explicitamente, a capacidade de representarem graficamente algo, a que se pode associar a capacidade de informar. Mais implicitamente, expõe van Dijk (2017), a potenciação de representações mentais, as quais estão na base de representações sociais, graças à capacidade de produção de discursos. Na base dos discursos, textos, atos comunicativos, em contextos (Pinto-Coelho, 2019), estão elementos que produzem sentido, semióticos (van Dijk, 2017). Um ato comunicativo produz um dado sentido, como o produzem as capas, com os seus vários modos semióticos – entre outros, texto escrito e imagem gráfica – num “sistema semiótico” 5 – neste caso, o jornal, a imprensa. Com isto, têm a capacidade de refletir contextos: o geográfico, pela sua localização, cultural, associado ao conjunto dos valores e tradições associadas a um determinado contexto cultural (Madlela, 2019) ou o editorial, a imagem e a tradição do meio em causa (Bachman et al., 2018). Além disso, tendem a impactar na orientação de atitudes e comportamentos no quotidiano (Machado & Trindade, 2021), graças ao direcionamento do seu conteúdo ao nível do design e suas caraterísticas (e.g., Costa, 2011; Kress & van Leeuwen, 2021), alinhado com uma estratégia que estimula a mente da pessoa observadora e que visa à venda daquela publicação (Burrowes, 2014). A tudo isto junta-se um potencial narrativo: as capas contam histórias, isto é, despoletam um sentido de narrar algo e algo que se prolonga no tempo e que, por isso, cria dinâmicas de tempo (Ricoeur, 1979) 6 . Não menos relevante é o gaze, ou seja, o olhar da capa com o que a capa apresenta e gera interação, enquanto um todo imagético (Kress & van Leeuwen, 2021). As publicações do Instagram estão distantes destas caraterísticas?

O que dizer ainda acerca da “negatividade” (Arango-Kure et al., 2014), de “emoções na esfera pública” (Ferreira, 2022) e de “discurso e afeto” (Milani & Richardson, 2021)? Não terão estes aspetos importância quer ao nível noticioso quer ao nível da potenciação destes aspetos nas pessoas e para elas? A ideia de “negatividade”, de “más notícias” (Arango-Kure et al., 2014) prende-se com as pessoas tenderem a prestar atenção, por fatores genéticos, àquelas e por, assim, estar ligada às vendas. Relativamente às emoções e na esfera pública, desde logo, entenda-se que as primeiras correspondem a ‘estados’ e a segunda corresponde ao espaço, aos espaços que permitem a discussão pública de assuntos diversos da sociedade (Ferreira, 2022; Fraser, 1990). Quanto ao afeto, recorrendo a Ferreira, “tem a ver com a dinâmica que o [“estado”, a emoção] gerou” (p. 104), sendo que, nas palavras de Milani e Richardson (2021), se trata daquilo que contrapõe a racionalidade da discussão e que está ligado à circulação da emoção. Cruzando estas três ideias: se as pessoas têm uma maior predisposição ao consumo de más notícias e estas envolvem mais emoções, numa esfera pública com acessibilidade relativa, tal potencia a captação de atenção e de interações e faz produzir discursos. Não é isto tendência no panorama mediático atual?

Com um investimento no design, na aparência e na publicação frequente, as páginas do Instagram têm vindo a mostrar dinâmicas de apresentação da informação não muito diferentes das lógicas das capas e das chamadas de capa. Também estas publicações detêm uma estratégia e tendem a ser pensadas pelas equipas das redações dos jornais ou até mesmo por profissionais da área da gestão de redes sociais, visando, antes da venda, a interação com os conteúdos, pois esta importa: importa que a publicação tenha reações, comentários e partilhas, para receber atenção, visibilidade, gerar visualidade e, portanto, relevância. Não se esquece ainda o reflexo daquilo que é o meio e o seu esforço de adaptação à plataforma visada, bem como a mobilização para outros artigos do meio ou outro tipo de conhecimento, contexto, que pode ser mobilizado para compreender aquele artigo. Aqui entra a produção de sentido e a força das convenções, bem como a potenciação de representações e a alimentação de discursos. Aprofunda a densidade desta teorização o pensar-se numa esfera pública que cruza, além de espaços físicos, espaços digitais. Há inclusive que compreender como estes conteúdos podem navegar a uma velocidade maior nas redes sociais, dotadas de uma lógica sistémica que permite fazer com que algo chegue mais rápido e a mais pessoas, dentro do seu âmbito de abrangência, assim como tenha a capacidade de viralizar e até de se tornar num evento do evento. As publicações do Instagram podem, assim, ser equiparadas a chamadas de capa.

4. Uma análise sociossemiótica e discursiva de dois casos

De modo a poder vislumbrar empiricamente os pontos teorizados até aqui, pretende-se, nesta secção, convocar dois casos, duas publicações com destaques de texto escrito equiparáveis a chamadas de capa. A escolha desta amostra de tipo criterial (Coutinho, 2011) seguiu, portanto, os critérios seguintes: acontecimentos reportados pelos média com destaque e com potencial de “negatividade” (Arango-Kune et al., 2014), interpretados como geradores de “ruído comunicacional” (Fiske, 1993), de erroneidade e confusão (Fallis, 2015) 7 , recentes – ambos do ano de 2022 – e de dois meios diferentes. O primeiro caso tem o texto escrito em destaque “Números da mortalidade materna são “pequenos números”” (CNN Portugal, 2022) e é da página da estação televisiva CNN Portugal, meio jornalístico também presente digitalmente, e o segundo tem o texto escrito em destaque “GOVERNO/António Costa demite Pedro Nuno Santos” (Público, 2022a) e é do jornal Público. A estação televisiva CNN Portugal, antiga TVI24, foi fundada em 2009, com acordo de licenciamento com a CNN desde 2021, e é um canal que difunde sobretudo telejornais e espaços de comentário durante 24 horas, com audiências relativamente estáveis entre o primeiro e o segundo lugar na categoria de canais de informação (e.g., Meios & Publicidade, 2022) e que, à data de produção deste artigo, contava com mais de 439 mil pessoas seguidoras na rede social Instagram (CNN Portugal, n.d.). No caso do jornal Público, trata-se de um meio fundado em 1990, um dos “influentes jornais portugueses” (Prior, 2021, p. 167), com uma circulação digital elevada (APCT, n.d.) e, à data de produção deste artigo, a sua página da rede social Instagram contava com mais de 562 mil pessoas (Público, n.d.). Ressalta-se o primeiro pela menorização aparente que sugere com a frase em destaque da mortalidade por parte das mulheres que são mães. Ressalta-se o segundo pela demissão que acabou por nunca acontecer, como se explica adiante. De imediato, dá-se conta do peso das chamadas de capa (e. g., Cerqueira et al., 2014).

As análises cruzam os contributos da Semiótica Social e dos Estudos Críticos do Discurso, pelo que se viabiliza a deteção de sentidos e de discursos. Em relação à primeira, recorre-se a Kress e van Leeuwen (2021) e a Mota-Ribeiro (2011), de que resulta uma análise de três dimensões: representacional, o que representam explicitamente os eventos comunicativos em análise, interacional, os elementos que contêm e que criam interação com quem os visiona e com ele vem a interagir, e composicional, o todo resultante das duas dimensões anteriores mais elementos que têm a ver com a composição. Note-se que se adaptaram os aspetos a identificar para as publicações em causa. No que toca à primeira, os aspetos a identificar são: aparência, feedback facial 8 , performance corporal e cenário. No que toca à segunda, gaze, enquadramento e modalidade. No que toca à terceira, valor informativo, saliência e delimitação. Há a referir a relação das imagens com os textos escritos, conectando a descrição de uma publicação à imagem que fica ou a seu lado ou acima, consoante o equipamento em uso. Esta relação vai ao encontro do conceito de multimodalidade, ou seja, na combinação de vários modos de produção de sentido e que se integram em discursos (Kress & van Leeuwen, 2021). Em relação aos segundos, procura-se perceber a potenciação de discursos, com uma análise, com base em Pinto-Coelho (2008) e contributos de Carvalho (2008), sobre as mensagens percebidas, o estilo, as fontes, as pessoas, as mensagens subliminares – partindo-se das estratégias discursivas enunciadas pela segunda autora – e o contexto – interno e externo à publicação. Explicitamente, numa abordagem interpretativa não linear, ainda que guiada por um caminho, este corresponde a: 1) uma compreensão do texto escrito, tratando-se os aspetos mais visíveis e com mais destaque, para se compreender o que está ao seu redor, também mensagens que são percebidas – o dito –, contextualizando-as; 2) uma compreensão dos restantes aspetos do todo da publicação, bem como o chamado não dito, o que é subliminar em termos das mensagens produzidas, voltando a reforçar o sentido de contextualização.

4.1. CNN Portugal: “Números da mortalidade materna são “pequenos números””

Figura 1. A publicação do Instagram da CNN Portugal (2022).

Figura 1

Recorte da autoria, num smartphone, efetuado a 1 de julho de 2022.

À data da elaboração deste trabalho, a então ministra da saúde Marta Temido aparece ladeada pelo texto escrito “Números da mortalidade materna são “pequenos números””. De realçar que “mortalidade materna” e ““pequenos números”” aparecem destacados a negrito na publicação a branco sobre um fundo bege, o que faz com que se destaquem ainda mais estas partes. A “mortalidade materna” refere-se a mães que falecem por motivos de saúde durante a gravidez ou após o parto e que, naturalmente, perdem o contacto com as crianças a que deram à luz, tal como se pode ler na descrição da imagem gráfica que inclui o texto escrito de destaque. O destaque ao centro da ministra e das letras, remetendo para a esquerda e a direita da imagem, direciona quem está num smartphone para estes dois alvos. As declarações sugerem uma retirada de legitimação à ministra do fenómeno de mães que falecem. Avançando para o texto escrito fora da imagem gráfica com o texto escrito, ou seja, para a sua descrição, lê-se: “Para a Ministra os dados mostram “que estamos a falar de pequenos números.””

Figura 2. Descrição da publicação da CNN Portugal (2022).

Figura 2

Recorte da autoria, num smartphone, efetuado a 1 de julho de 2022.

Consultando o artigo para que remete esta publicação (Agência Lusa, FMC, 2022), pode verificar-se o seguinte dito pela ministra:

“Todos os óbitos são fator de consternação e solidariedade (…). Em 2020, a DGS [Direção-Geral da Saúde] considerou 17 óbitos de senhoras na gravidez ou nos 42 dias após o parto. Mas em 2019 eram 10, em 2018 15, em 2017 11, em 2016 12, em 2016 seis, em 2015 sete, em 2014 cinco (…)”, afirmou Marta Temido, sublinhando: “Por muito que tenhamos interesse (…), mostra que estamos a falar de pequenos números.”

Percorrendo o artigo, lê-se ainda:

Mais tarde, questionada pelos deputados durante a sua primeira audição regimental desta legislatura sobre se considerava estes óbitos “pequenos números", a ministra respondeu: “Eu nunca disse que um qualquer óbito é um pequeno número, um óbito é o familiar de alguém, é uma vida que se perde.”

Com esta declaração, denota-se uma humanização 9 da abordagem da ministra, mas, no parágrafo seguinte, já se denota uma especificação da referência aos “números” e a estes serem “pequenos” com recurso à estatística:

“Quando analisamos, para efeitos estatísticos é uma coisa muito diferente daquilo que é a análise humana e a responsabilidade política”, sublinhou, insistindo: “Quando analisamos tecnicamente números, temos de olhar nestes casos para series.”

Aquelas declarações apresentam-se como uma explicação do destaque feito pela publicação, num sentido natural de explanação da perspetiva que é destacada, como forma de captação da atenção. Coloca-se a tónica nos “números da mortalidade materna”, enquanto sujeitos, sugerindo uma retirada do caráter humano (Demoulin et al., 2009) do fenómeno, das pessoas afetadas pela mortalidade humana, e o predicado, a ação, na ideia de que ‘os números são pequenos’, ou seja, irrelevantes, como inclusive mostra um dos excertos acima, justificação que a ministra vem dar como a diferenciação entre “a análise humana e a responsabilidade política” ou o “olhar nestes casos para series”. Contextualmente, trata-se de uma altura em que a ministra ganhou algum destaque no seguimento da pandemia (Lopes et al., 2021), o que remete isto para o potencial narrativo discutido no enquadramento teórico e o prolongamento temporal (Ricoeur, 1979), bem como vários problemas dali destacados proximamente a esta situação, como o encerramento de urgências de obstetrícia no país, gerando críticas em âmbitos como o parlamentar (Maia, 2022). Atentando novamente na imagem, vê-se o olhar da ministra distanciado da câmara, o que sugere um afastamento de quem vai interagir com a publicação. Seguindo Kress e van Leeuwen (2021), denota-se uma horizontalidade e, portanto, uma aparência de envolvimento da ministra na situação, em vez do realce da sua autoridade. Ainda de acordo com aqueles autores e também Mota-Ribeiro (2011), o efeito de saliência e de escurecimento da imagem também pode sugerir esse envolvimento, pois destacam o que foi dito pela pessoa, numa edição da imagem e do escurecimento das suas cores, dando um efeito de sombra sobre a ministra, que acentua uma carga negativa sobre a imagem gráfica e representada da mesma (Heller, 2000/2014). O seu surgimento num espaço com bandeiras remete para um local oficial, aquele onde as declarações foram proferidas, mas também numa retirada de legitimação ao discurso da pessoa visada, reforçando a noção de estratégia discursiva de deslegitimação (Carvalho, 2008; Ross & Rivers, 2019), e, por sua vez, ao Governo, dado o ser uma ministra nomeada na sequência da eleição da legislatura em vigor.

4.2. Público: “GOVERNO/António Costa demite Pedro Nuno Santos”

Figura 3. A publicação do Público (2022a).

Figura 3

Recorte da autoria, num smartphone, efetuado a 1 de julho de 2022.

Neste segundo caso, trazem-se novamente membros do Governo atual, mais precisamente o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. A frase remete de modo claro para um sujeito ativo, que é António Costa, com uma ação sobre Pedro Nuno Santos, de demissão deste ministro. A mesma frase demonstra uma relação de poder por via da escrita (van Dijk, 2017). Há a fotografia deste ministro ao centro e abaixo a frase, o que seguindo a lógica de Kress e van Leeuwen (2021), em cima o “ideal” e em baixo o “real”, sendo que o texto escrito remete para a ação que é real, efetiva, ocorre ou vai ocorrer, que é concreta.

Desviando para descrição da imagem da publicação com o texto escrito, que, no caso da visão smartphone, está abaixo daquela, vê-se logo uma “ACTUALIZAçãO”: “(...) não se demitiu nem foi demitido pelo primeiro-ministro. Apesar de inicialmente a informação apurada pelo PÚBLICO apontar para uma demissão garantida, os desenvolvimentos ao longo do dia acabaram por esvaziar a crise no seio do Governo”. Continuando a ler a descrição, lê-se que se manteve a legenda anterior à atualização feita, “em nome da transparência”: “Se Pedro Nuno Santos não se demitir será demitido pelo primeiro-ministro, soube o PÚBLICO.”

Figura 4. Descrição da publicação do Público (2022).

Figura 4

Recorte da autoria, num smartphone, efetuado a 1 de julho de 2022.

Este tipo de descrição distingue-se daquele que está no texto escrito em destaque na imagem. Não há uma demissão, mas um risco de demissão. Aplica-se aqui a visão de Stallings (1990): o discurso dos média constrói o risco. Até porque esta situação vem na sequência da, cite-se a descrição da publicação, “revogação do despacho do ministério das Infra-estruturas sobre a localização do novo aeroporto, alegando que o assunto tinha que ser consensualizado com o PSD e com o Presidente da República” e que “[t]udo indica que o ministro das Infra-Estruturas agiu à revelia do chefe do Governo”. Com isto, potencia-se alguma confusão entre o que se transmite com a imagem que contém o texto escrito e a descrição, contrariando a dependência que acaba por existir entre o texto escrito e a imagem e de que falam Kress e van Leeuwen (2021), bem como a coerência intratextual, se se considerar a publicação toda um todo textual (Wodak, 2009). A própria atualização que o jornal fez, na descrição, evidencia isso mesmo. Seguindo a sugestão da descrição e recorrendo ao respetivo artigo associado à publicação (Lopes, 2022), vem logo no primeiro parágrafo do mesmo artigo:

Pedro Nuno Santos não se demitiu nem foi demitido pelo primeiro-ministro. Apesar de inicialmente a informação apurada pelo PÚBLICO apontar para uma demissão garantida, fosse por decisão do ministro das Infra-estruturas, fosse por determinação do primeiro-ministro, os desenvolvimentos ao longo do dia acabaram por esvaziar a crise no seio do executivo.

Tal esclarecimento sugere demonstrar da parte do jornal uma preocupação em justificar as razões por detrás daquela oração lançada na publicação em destaque, o que reforça o poder desta, na medida em que o jornal reconhece a importância de ter escrito algo como o que foi escrito e o impacto disso. Ainda mais, se se considerar que a fonte em causa não é clara, é anónima, além da documental, que é o despacho. Se se atentar no anonimato da fonte, ainda mais dúvidas se geram em relação à informação, pois a fonte é protegida para se obter a informação e potencialmente gerar aquilo a que se chama um ‘pseudo-evento’ (Moraes, 2005; Pinto, 2000), como acabou por ser este caso, e de conceber metajornalismo, ou seja, conteúdos jornalísticos sobre outros (Oliveira, 2010). A descrição acaba por também mostrar a ideia de que, só no caso de o ministro não se demitir, é que “será demitido”, remetendo para uma ideia de projeção no futuro (Araújo, 2005), o que ajuda a construir o risco (Stallings, 1990).

Fazendo ainda uma panorâmica contextual, verifica-se na própria página do Instagram do jornal outra publicação, com o texto escrito na imagem: “GOVERNO/Pedro Nuno Santos não se demite/“Está corrigido o erro e agora é seguir em frente”, diz António Costa” (Público, 2022b). Esta informação vem contradizer a anterior e inclusive as próprias expetativas do jornal, como se pode ler no artigo e já se viu acima: “(...) os desenvolvimentos ao longo do dia acabaram por esvaziar a crise no seio do executivo”. Um detalhe semiótico a apontar entre estas duas publicações é a própria face do ministro: na primeira, surge sério e algo focado num dado alvo; na segunda, surge com um feedback facial mais relaxado. Na publicação para aqui escolhida, é também semioticamente considerável o arranjo artístico da imagem, graças à modulação cromática (Mota-Ribeiro, 2011), com tons escuros, que podem remeter para algo mais dramático (Heller, 2000/2014).

Figura 5. Publicação do Público (2022b).

Figura 5

Recorte da autoria, num smartphone, efetuado a 1 de julho de 2022.

5. Discussão e anotações finais

O jornalismo procura informar e bem informar, mas este trabalho evidencia uma onda de informação produtora de confusão e agitação na produção e na promoção de informação. A propósito de confusão e agitação nas redes sociais, tal é até visível no Brasil, “nos últimos anos”, com seu “cenário político” de “polarização”, evidenciado por estudos como o de Brittes et al. (2020), podendo o jornalismo ajudar a isto. Voltando aos casos estudados neste trabalho, no caso de Marta Temido (CNN Portugal, 2022), verifica-se uma potenciação da extrapolação das suas declarações, assim como uma ausência de explicação das circunstâncias das mesmas. Num contacto “episódico” com o “ecrã” (Coelho, 2010), não é de imediato entendido em que circunstâncias são proferidas tais palavras e joga-se estrategicamente com o destaque gráfico daquelas. Questiona-se, assim: importará mais a compreensão das declarações e além das destacadas ou a situação sobre a qual se referem? Quanto ao segundo caso, pode entender-se que se trata de desinformação, uma vez que foi dada informação não ‘representacionalmente verdadeira’ (Fallis, 2015): primeiramente o ministro é apontado como despedido, para, pouco tempo depois, no próprio dia, já vir a ser apontado como permanecendo no Governo. Apesar da confirmação disto por parte do jornal, é certo que colocou em causa os princípios éticos e deontológicos do jornalismo e a assimilação da informação por parte das pessoas. Até porque, convocando van Dijk (2017), se criam representações mentais com o que se consome e isto tem implicações no dia a dia, nos posicionamentos que as pessoas têm sobre os assuntos. De relevar ainda que a base da informação está numa fonte anónima – “(...) soube o PÚBLICO” (Público, 2022a) –, e que, apesar do direito à proteção das fontes, este tipo de fontes pode constituir um problema (Pinto, 2000), como acabou por se revelar neste caso.

Tudo aquilo sai enfatizado com elementos de cariz semiótico, o que, permita-se a repetição, enfatiza igualmente a importância da Semiótica Social. Veja-se: a sugestão de uma carga negativa e de um cenário dramático, com uma modulação, um efeito de sombra, e um escurecimento da paleta de cores das imagens gráficas, sem esquecer o destaque dos textos escritos nas imagens gráficas. O próprio reforço do contexto editorial de onde provêm os conteúdos é também feito com a logomarca dos meios em causa, reforçando o lado invisível daquilo que são as capas, seguindo a lógica da equiparação das publicações às capas, mais propriamente as práticas associadas aos meios em causa e a capacidade de ser marca (Bachman et al., 2018). Não menos relevantes são os Estudos Críticos do Discurso. As noções de risco aqui discursivamente criadas (Stallings, 1990): a ministra que menospreza as mortes das mães, sugerindo que as desumaniza ao falar de “números” (CNN Portugal, 2022), e o ministro que foi demitido. Duas situações que geram emoções de apreensão, numa base de “negatividade” (Arango-Kure et al., 2014), inclusivamente pela mobilização de um contexto temporal e político de instabilidade: a ministra associada, entre outras questões, à polémica já referida das urgências de obstetrícia e ao período de gestão da crise pandémica, ainda em vigor, que passa quer pela ministra quer por todo o Governo. Mais se junta a isto o sentido de atuação do ministro Pedro Nuno Santos sem consulta do seu superior hierárquico, do primeiro-ministro. Já foi inclusive apontado o denotar de uma estratégia discursiva de deslegitimação em relação à ministra, sendo que, alargando a reflexão, a própria mobilização de elementos do contexto também pode partir para uma politização (Carvalho, 2008): tornar a questão política, como os problemas do Serviço Nacional de Saúde já virem desde que o PS está a assumir o Governo, 2015, tendo atravessado o período do início da pandemia até ao momento de produção deste trabalho.

Outro ponto que merece reflexão é a capacitação de um “pseudo-evento” (Moraes, 2005), aliás também tido em conta no que toca à relação com as fontes jornalísticas por Pinto (2000). Baseia-se este ponto na equiparação feita no enquadramento teórico e que guia este trabalho, que é a equiparação de publicações do Instagram de notícias a chamadas de capa de capas. Relembrando que estas últimas podem vir a tornar-se “pseudo-eventos”, como o podem trabalhos jornalísticos como as entrevistas, é de notar que o caso do Público (2022a) tem caraterísticas que vão ao encontro disto. Naquilo que é a relação com outros meios e, portanto, o todo mediático, foram vários os que se basearam na informação inicial do jornal (e.g., Santos, 2022; Teixeira, 2022; Valente, 2022). Depois, na necessidade de reposição da informação em causa, até visível na própria publicação do jornal (Público, 2022a), assim como noutra publicação (Público, 2022b) e até mesmo na capa do dia seguinte do jornal impresso (Sapo 24, n.d.). Gerou-se uma série de atos comunicativos em torno de outro ato comunicativo, naquilo que se poderia designar de metajornalismo, o jornalismo a produzir jornalismo sobre si próprio (Oliveira, 2010), adensando o vigor do fenómeno quer em torno do meio quer em torno do acontecimento que esteve na base deste todo. Não esquecer também a potenciação da narratividade (Ricoeur, 1979) e do prolongamento no tempo e da construção deste. Neste seguimento, eventos e notícias: que valores-notícia fazem com que algo seja notícia? Este conceito também traz algum questionamento, pois a transformação de declarações na sequência de uma entrevista acaba por também ser um acontecimento sobre um acontecimento.

Adicionalmente, a digitalização dos conteúdos e a navegação destes numa esfera pública, isto é, resumidamente, num espaço de discussão de vários assuntos entre pessoas e na legitimação de certas normas (Fraser, 1990), também ela agregadora do espaço digital, além do físico, as repercussões ganham outro nível. Com a atividade das pessoas e a sua facilitação. Promovem-se, deste modo, mais facilmente, eventos e “pseudo-eventos”, bem como conteúdos sobre conteúdos e o imediatismo do impacto destes, aliás associado à própria efemeridade das redes sociais e da própria rede social Instagram (e.g., Vázquez-Herrero et al., 2019), o qual se pode traduzir nas práticas jornalísticas. A lógica das chamadas de capa não é trazida para aqui sem motivo: elas captam a atenção, com a sua leitura rápida e concisa, fazendo com que se retenha mais facilmente informação e impressões. Até pelo cuidado com, entre outros aspetos, a escolha do texto escrito, a publicação sobre notícia, o grafismo, a forma ou formas possíveis de captação da atenção, o posicionamento na capa, centro e margens. Enfim, com a estratégia comunicacional, algo que transporta este raciocínio para o Jornalismo numa ligação à Comunicação Estratégica e áreas como o Marketing (Ferreira, 2022; Oliveira, 2010). Sobre o espaço e, mais propriamente, a rede social em causa, uma vez que o Instagram é de acesso livre, não pago, pode depreender-se que as publicações das páginas podem não levar necessariamente à subscrição ou à contribuição, mas potenciam, entre vários efeitos: interação, o ato de informar, de construir informação, riscos, representações mentais e contribuir para representações sociais. No seu estudo de âmbito internacional, Al-Rawi et al. (2021) entendem ainda o Instagram como “uma arena para entretenimento, principalmente incidindo sobre as pessoas jovens” (p. 305), ponto que tem vindo a ser alvo de atenção pelas redações, pela produção jornalística (Vázquez-Herrero et al., 2019), o que gera alguma interrogação sobre o olhar que a pessoa tem sobre a rede social em uso e a própria interação com as publicações.

Colocam-se, portanto, oportunidades e riscos. Há, por um lado, a oportunidade para os jornais investirem em estratégias e formas de apresentarem a informação produzida, potenciarem a força de outros meios e possibilitarem a viralização, na medida em que esta gera alcance e mais interações com os conteúdos. Ainda mais se se recuperar o raciocínio de Díaz-Campo et al. (2021) e se se atentar igualmente na exposição acidental, a qual não é intencional. Neste sentido, o relatório Digital News Report Portugal 2021 indica que “prevalece o acesso a notícias enquanto se navega por outras razões” (Cardoso et al., 2021, p. 32). O cruzamento da pessoa usuária com uma dada publicação pode levar a que ela venha a prestar maior atenção sobre a publicação e, até mesmo, à leitura do trabalho ao qual a publicação se refere, saindo do próprio âmbito da rede social em que tal interação ocorre. Por outro lado, riscos. Fale-se da ou da potenciação da criação de representações mentais não correspondentes à realidade, com base naquilo com que a pessoa interage, da dispersão da informação no espaço digital ou da regulação e da mediação destes espaços, questionável pelos efeitos díspares que despoleta. O sensacionalismo é, por isso, outro risco, bem como, já vistos acima, os fenómenos de deturpação da informação e de desinformação. O desenvolvimento de ambientes de incivilidade (e.g., Gonçalves, 2018) é outro risco, bem como a própria desumanização, já referida, associada a inferiorização de pessoas e de grupos de pessoas enquanto humanas (Demoulin et al., 2009). Na sequência da abordagem destes riscos, a própria viralização, referida como oportunidade, pode ser vista como risco. Se, recapitulando, existe a necessidade de criar confiança das pessoas no jornalismo, não terão de se repensar certas práticas na produção e de promoção do jornalismo e da informação que este produz?

Sem querer lançar mais perguntas além das que já se lançaram, volta-se à pergunta de partida: que sentidos e discursos produz o (ciber)jornalismo na rede social Instagram com as suas publicações? Admitindo a limitação concernente à amostra conter apenas dois casos, relembrando-se a natureza exploratória deste trabalho, responde-se, então, àquela questão. Assim, as publicações produzem sentidos apontam para a dramatização, a espetacularização 10 , a erroneidade e a desumanização e discursos de politização de questões, de retirada de legitimação, de descrença sobre as pessoas visadas e de risco a nível político e social. Estes parecem ir ao encontro da enunciada negatividade. A negatividade vende, gera interações e cliques, logo, este modelo tem caminho para continuar. Voltando a Horsle (2005) e à Comunicação Estratégica, sugere ser este tipo de publicações, como as analisadas para este trabalho, com objetivos de informar, mas de criar também ruído comunicacional. Se Fiske (1993) diz que o ruído comunicacional pode contribuir para o bem da comunicação, com pensamentos que podem contribuir para ela, também diz que pode perturbar a comunicação. Aludindo à negatividade e às emoções, é de considerar o ruído comunicacional e o seu papel estratégico na capacidade de desencadear aquelas. Sinteticamente, o ruído como algo estrategicamente semiótico-discursivo.

No seguimento do parágrafo anterior, deixam-se algumas notas. Desde logo, a importância da Educação para os média no seguimento das mutações muito frequentes dos espaços e da emergência de vários fenómenos, para, a título de exemplo, prevenindo certas práticas mais nocivas na ótica da pessoa utilizadora para os espaços digitais. Oliveira (2010) concebe inclusive o metajornalismo enquanto promotor de “uma atitude mais activa” e servente dos “propósitos de uma tão reclamada educação para os media” (p. 286). Em seguida, no que toca a pistas para a investigação, fica a sugestão de se estudar, além das publicações, as histórias do Instagram em linha com as dificuldades pela sua efemeridade e mobilidade (Bainotti et al., 2020; Vázquez-Herrero et al.,2019), assim como de se perceber melhor, por via de técnicas várias e em vários campos disciplinares além dos Estudos da Comunicação, as rotinas jornalísticas ligadas ao digital e, da outra fação, os efeitos causados nas pessoas. Ainda sobre este ponto, não deixar de explorar o lado semiótico e o lado discursivo destes espaços. Não faz sentido aqui quantificar nem qualificar sem se ter noção do que está para além dos conteúdos que se analisam, como sublinha Pinto-Coelho (2019) com esta sua afirmação: “Ignorar que os textos exigem sempre atividade de leitura para serem textos e abordá-los “em si mesmos”, para além de ser reducionista, equivale a cobrir o sol com uma peneira” (p. 31).